segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Rock 'n' Roll

Este fim-de-semana apareceu de surpresa, mostrando de facto como em surpresa se tem momentos únicos. Tudo começou a meio da tarde da última sexta-feira dia 25 de Setembro do calendário de Cristo, quando estando eu a descansar um pouco as pernas, recebo o convite para um passeio por um normal centro comercial com uma prima e a prima dessa prima. Como me dizem que o centro comercial é o tal que tem no seu último piso o Hard Rock Café – Caracas, o convite foi aceite de imediato já que existem lugares que merecem sempre uma visita. Já ali tinha estado por duas vezes durante o mês de Agosto e embora não fosse um lugar de encantos exagerados, a música é boa e o ambiente descontraído.

Depois de passear um pouco à deriva por algumas superficiais lojas, decido que as vistas não são do meu agrado e sozinho subo ao último piso para uma cerveja revigorante e meia dúzia de cigarros filosóficos. Estava eu nesta vida, completamente perdido em tuta-e-meia de pensamentos para vos ser sincero (como quase sempre – não fosse eu sincero), quando na cadeira do meu lado direito e disposta de frente para o balcão de tal bar se senta uma rapariga de piercing no nariz, cabelo pelo meio das costas, seios extravagantes e fato formal. Eu, perdido em pensamentos pouca importância lhe dei até que ao pedir pela quarta vez o isqueiro ao barman residente, a tal rapariga curiosa com o meu sotaque me pergunta de onde sou. Foram as primeiras de muitas palavras partilhadas ao longo daquelas duas horas nas quais tive uma daquelas conversas ditas como interessantes. O tema predominante foi a música de estilo rock, não obrigasse exactamente a isso o lugar onde nos encontravamos. De seu nome quase cinematográfico – Scarlet e estilo demasiado formal lá fomos variando entre o espanhol e o inglês por variados temas sobre este variado mundo que é o nosso. Acabou-se a conversa, que pelo meio foi fugazmente interrompida por um concerto amador que por ali começou, com um até amanhã e troca de contactos. Estava feito o convite para assistir a uma série de concertos na Plaza Altamira que iriam acontecer no dia seguinte. O resto desse dia foi apenas a acabar comigo meio embriagado num normal club de Caracas, ao som de merengue e salsa e na companhia de mais um primo de meus primos – o interesse é demasiado pouco para estar em descrições mais pormenorizadas, não fossem todos os club’s, ditos como modernos, iguais em toda a parte deste nosso pequeno mundo.

O amanhecer do dia seguinte foi tardio derivado da tal noite em estados mais desafogados. A tarde foi passada atrás do balcão de El Canário, a afamada arepera onde vou trabalhando. Saí às oito, não em ponto que a boleia esperava e encaminhei-me então para essa praça em Altamira e que tanto eu confundia com Altavista – é o meu espanhol demasiado traduzido penso eu com os meus botões. Na fonte que determina o centro de alguma coisa e homenageia outro dos grandes libertadores de um normal país colonizado passo a mensagem à tal rapariga quase cinematográfica do dia anterior com as palavras de que aí já me encontrava. Desencontros normais e lá vejo eu a dita. Os trajes do fim de tarde anterior nada tinham a ver com os que ela vestia na altura. De formais e obrigatórios a qualquer secretária passaram para mínimos e loucos como obrigatórios a qualquer Rockeira que se preze. Sapatilhas de ponta branca e atacadores floridos, minissaia de padrão axadrezado que tinha em si cores como o verde, o vermelho e o preto. Cinto negro com brilhantes a conjugar com a curta camisola de mangas cavadas (adoro esta palavra), simples e preta. Estava visto o bonito estilo da bonita miúda. Eu mal me sentiria senão Rockeiro por amor fosse e trajes à moda da noite vestisse. As botas tiradas de um qualquer filme americano dos anos setenta, as calças de uma qualquer parada alternativa e justas de cima abaixo, a camisa axadrezada e preta e vermelha e claro, o tal cinto tão característico de gentes desta banda.

Os concertos dessa tarde estavam no seu término sendo apenas uma mão de temas as que ainda consegui assistir. Daí a proposta de mais grupos de puro metal que depois de duas carruagens de metro e meia dúzia de estações lá foram encontrados. Estávamos no centro da cidade (eu e a Rockeira), onde segundo ela caminhar teria de ser em passo rápido, alargado e sem olhar para trás, parar nunca e a atenção sempre multiplicada várias vezes. Sem sobressaltos lá encontramos a cova onde se iria passar uma mão cheia de concertos de “puro metal”. As gentes que se faziam ver no bar não ficavam nada atrás das suas (santa ignorância dos rótulos) famas. Cabelos pelo meio das costas, fossem eles femininos ou masculinos. Botas enfeitadas com puro alumínio e de dimensões exageradas, calças negras para combinar ou com a casaca de cabedal negra ou com a t-shirt dos Sepultura, Slipknot, Mettalica, The Korn e demais grupos Hard-rock. Cerveja aos pares que éramos dois e depois de meia conversa lá começaram a tocar as tais bandas de garagem. A primeira constituída por apenas dois elementos que à vez iam trocando entre a guitarra e a bateria. Só instrumental que as vozes não dariam para muito mais, mas com uma qualidade elevada para dois só elementos de tenra idade. Umas cinco músicas deram para encher o ouvido e levar a pouca audiência ao rubro. Estava aberto o espírito para uma boa noite de música. O segundo grupo era já maior, com duas guitarras, um baixo, uma baterista (loura, lindíssima e doida varrida) e um vocalista que depois de vários problemas áudio lá conseguiram tocar mais uma mão de canções originais e em bom ritmo, grande algazarra e loucura total dos transeuntes. Deu ainda para rir com um bêbado que bêbado em demasia ou se espatifava no chão para uma boa soneca ou dançava (que não era dança) aos murros a toda a gente.

Já chegava de música mais dura e fica decidido entre mim e a Rockeira abalar para um novo lugar. Dizia-me ela que um Pub pequeno, de ambiente agradável e Rock mais comercial. Eu, de gostos musicais mais variados preferi logo aquele lugar, não fosse o meu Rock um pouco mais light. Lá encontramos um táxi pelo meio de maiores sobressaltos para em quinze minutos chegarmos ao tal Pub. Estávamos de volta a Altamira (porra para a Altavista) onde a praça estava invadida por casais sentados nos bancos espalhados pelo parque, na relva que pintava algumas zonas ou apenas em pé, apenas. Bêbados viam-se alguns não fosse esta uma capital em pleno sábado à noite (sempre me deram curiosidade os bêbados nas praças das capitais ao sábado à noite). Táxis, autocarros, alguma policia (esta zona é dita como “mais segura”), grupos de pares de pernas em salto alto, na direcção de algum lugar de Rumba, grupos de pernas de salto altos, parados apenas, na direcção de olhares e esperanças em Bolívares, garrafas pelo chão quase de estilo Botellón, maços de cigarros, milhares de beatas e a prova do arrogante desprezo pelo habitat destas gentes (não será arrogante desprezo um pleonasmo?). Descemos uma perpendicular, cruzamos a mesma, atravessamos uma paralela e num cantinho com dois carros estacionados a esconder a porta mas não a luz néon vermelha e verde lá estava o Pub que o nome era de uma cidade britânica e não me recordo do mesmo.

Entramos. O Pub era escuro, não em demasia mas muito escuro, quase negro, três mesas apenas chegavam para cobrir a parede lateral, um poste forrado a madeira, como todas as paredes aliás, mesmo a meio do bar. O balcão corrido na outra lateral do bar que não sei se quadrado se paralelepípedo, pequeno apenas, pequeníssimo aliás – Lindo! Caminhar era difícil tal o empacotamento das poucas gentes ali estacionadas, falar mais difícil era devido à nada exagerada música em berros, harmoniosa, invasora de almas, de espíritos ou então apenas a acompanhar o estado de espírito. As paredes do bar forradas a vidro com pequenas estantes de madeira tão normais e cheias de garrafas de rum, whisky, vodka e pouca mais variedade é certo mas quem precisará de mais no entanto. Cerveja gelada a partilhar pelos dois que as contas eram feitas com o táxi de regresso na cabeça e danças. Dançamos até ficarmos cansados, até doer as pernas, até doer os pés, até doer a bexiga a abarrotar do filtrado da cerveja, até acharmos que era tempo de um pouco de ar e meia dúzia de passos seguidos para sentar o rabo numa normal paragem de autocarro. E voltamos finalmente para dançar mais, ouvir mais, falar mais, gritar mais, conhecer mais e apenas ficar satisfeito (não fosse o alivio a melhor sensação que pode ter o Homem). A música de Rock passou pelo império britânico, states, pela Alemanha, passou pelo México e a Venezuela, o Brasil e a Argentina, a Colômbia e o Chile e passou do inglês para o espanhol e no espanhol ficou que nós os dois (eu e a Rockeira) satisfeitos estávamos e a decisão já com hora tardia foi de partilhar um táxi e regressar a casa de um e de outro, primeiro à minha e depois à dela – Foi uma noite do catano e mais uma amiga a ficar!

Há coisas do caralho!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Caracas

Talvez devesse o tempo ser maior antes de estas palavras serem escritas. Falo do tempo em termos de intervalo e neste caso entre a minha chegada e as próprias palavras. Mas nada como emoções à flor da pele para descrições; são mais intensas, mais reais, mais hipócritas, mais tudo! Como sou uma pessoa de extremos cá estou a escrever palavras precoces, como sempre aliás.

Quando se trata a falar sobre Caracas, sobre esta cidade impossível, nem sei por onde lhe pegar e para vos ser sincero caros leitores. A cidade simplesmente equilibra-se na corda bamba – sem o conseguir todavia. Como já aqui disse anteriormente, a cidade tem como método de organização a total anarquia, a total ausência de regras, o total desrespeito por qualquer coisa que seja, esteja ela viva, a sobreviver ou completamente morta. No meio do calor que já não me é insuportável voam cheiros demasiados fortes e sempre exagerados. Quando se abre a janela de um carro na auto-estrada, o corpo é invadido por petróleos, químicos, alcatrão, merda, desprezo, buzinadelas, vozes arrogantes, vozes estridentes, berros, música, não música, barulho, batatas fritas, bolachas, cerveja, água, putas e toda e qualquer coisa que mais se possa imaginar presente no ar, solo, bermas, separadores mas principalmente nas mãos ou corpos das pessoas que vivem de um particular negócio chamado trânsito em Portugal e Cola na Venezuela. Sem parágrafo digo que a vida aqui faz-se por pontos, um ponto numa parte da cidade, outra casa noutra parte da cidade, um centro comercial no centro da cidade, uma arepera no meio da noite, um jogo de futebol ao fim da tarde e no fim de tudo o que mais importa é o ponto de fuga da cidade. Tudo o que geralmente se passa pelo meio, os trajectos de mudança de ponto, são entre vidros fumados e ao som de salsa ou merengue. Ou como descrevi anteriormente, na companhia de vendedores ambulantes a fugir das motorizadas em plena auto-estrada. Ah! Na companhia de putas também que estas se vêm com mais dificuldade nas fugas. No fim de contas, o meu ponto de referência é a Calla 10 – Vista Alegre, que não é mais do que a morada da minha temporária casa na cidade mais anormal (para mim) que alguma vez visitei. Faço-o de maneira simples, trabalho para compensar gastos numa tal arepera de manhã, tardes por vezes demasiado aborrecidas na Linda (nome dado a esta casa de família), noites esporádicas e aleatórias de tertúlias com amigos já quase de verdade, garrafas de rum esvaziadas, comentários despropositados, alguns demasiado racionais, e por fim algumas fugas desta mesma cidade. O meu objectivo pouco a pouco faz-se cumprir sem qualquer tipo de esforço da minha parte. Conheço as gentes daqui e não só gentes de classe média – alta que são quase iguais em toda a parte, com as mesmas tecnologias, os mesmos vícios, as mesmas conversas, as mesmas tentativas de conversas, as mesmas piadas e o mesmo amor de sempre mas sim gentes que marcam diferenças em mim. Gentes diferentes, verdadeiramente diferentes (em sentidos filosóficos e não humanitários que seja claro). Conheço pretos, brancos, brancos que são pretos, pretos que são brancos, pretos que são pretos e brancos que são brancos, conheço racistas, “Chavistas” e filhos da puta. Conheço doidos varridos e filósofos, conheço tentativas de jogadores de futebol, conheço viajantes por amor que nunca saíram de um bairro sequer, conheço homossexuais ninfomaníacos que não conhecem os seus limites, os meus limites por amor de deus. Conheço românticos e banais pessoas, conheço músicos sem talento mas amor pela música (que coisa mais bonita!), conheço gordos sem complexos e magros complexados, conheço miúdas de quinze anos com mamas de silicone (JÁ?!?!?!) e miúdas de vinte e cinco a sonharem com operações, conheço um jipe “Hummer” que nunca foi usado senão na viagem para o guardar na garagem de uma mansão – e a filha com tetos de silicone e a mãe também. Conheço ameaças de morte de alguns, roubos de outros, raptos de outros ou histórias de assassino de outros. Conheço tanto e não conheço nada no meio de tanta delinquência. Sair à noite não é um risco, é uma aventura pelo meio de uma selva cheia de animais armados não com garras mas com 9 mm de calibre, ou mais. Uma selva sem árvores para subir mas com becos para se ficar atracado. Selva sem animais furtivos à espera mas com ladrões à escuta. Selva onde não morrem 150 animais por semana para provar a cadeia alimentar mas onde se criam 150 cadáveres por semana para se provar absolutamente nada. Selva onde não se encontra a humidade do orvalho pela manhã mas onde se pode encontrar sangue encarnado numa vala. Selva onde não se adormece com o som de insectos durante a noite mas sim ao som de tiros e sirenes e gritos lá de vez em quando.

Daqui provem a primeira parte em que a cidade se vive por pontos sem linhas de continuidade. Funções que não são contínuas, nem sequer minimamente lineares mas antes pontos que por vezes fazem parte de estatísticas. Casas, ou centros comerciais, ou “Club´s”, ou areperas, ou vidros fumados com som de merengue e salsa – tudo pontos isolados. Depois, depois a fuga de tudo para paraísos, assim vive uma pessoa de classe média alta. Simplesmente não consigo imaginar como vive uma pessoa de classe baixa. Não consegui sequer uma descrição já que para uma pessoa que vive num bairro de lata, numa favela, num barrio, simplesmente não existe a pergunta de como se vive sem fugas

- No entendo…………………………

, eu compreendo bem, é preciso conhecer uma realidade para que se possa ter opinião dela. Vidas vividas em medo, em constante sobressalto, sem planificação alguma, sem que se perceba o significado de trabalhar para ter uma vida melhor, para conseguir algo.

- Porquê?!?!?!

A vida vive-se hoje e até talvez ao próximo fim-de-semana na festa naquela rua, depois um tiro pode acabar com ela.

Quase que caio numa implosão ao descrever isto.

E as festas em casa dos capitães do exército, o aniversário de dezoito anos da filha mais velha – empregado de camisa branca, laço, colete, tudo o que mandam as regras, mesas enfeitadas com dezenas de garrafas de vinho, whisky, rum, cerveja, tudo do melhor (ou antes o mais caro que existe), toalhas cor de vinho – bonitas, flores num jardim lindíssimo tratado por mãos de profissionais mal pagos, cadeiras aconselhadas por algum designer de interiores altamente qualificado

(estou a rir-me do ridículo)

e forradas com película de plástico transparente não vá um jovem mais imprudente derrubá-la. DJ a passar a ultima tendência de música numa aparelhagem e passo a citar: “- De topo!” para que os corpos lindos e estragados com o silicone dançarem até às três da manhã. E o capitão do exército, ou será general? Acho que era Sr. Tenente-coronel com o seu carro de alta cilindrada, gordo e bruto sentado na mesa a saborear um tinto chileno que segundo o mesmo: “- Isto é uma reserva de pinga, muito bom vinho” e o vinho velho em demasia, com mais de dúzia de anos e na garrafeira à espera “do momento certo”, como tantas outras garrafas solitárias na mesma garrafeira e o momento a nunca ser certo.

E o gajo que vem de metro agora que lhe roubaram a mota que demorou ano e meio a ser comprada a chegar as seis e pico ao trabalho, atrasado e a dormir, não zangado com o mundo, não contente com a hora, não nada, apático e com a mesma piada do dia anterior, a mesma história da semana passada, do ano passado, a vida parada, e o enorme sorriso na cara. E o primo deste que levou um tiro ou a avó que desespera num corredor de hospital à espera dos medicamentos que não existem ou do médico que não tem tempo, nem horário, nem vida, nem nada. Ou o filho de oito meses que ele, ou ela, fez com [14 – 18] anos e a novia ou novio que não existe, nunca existiu, e a queca dada num qualquer beco, encostados a uma parede de tijolo vivo com a vala de mijo e merda do vizinho de cima aos pés.

E o sorriso natural,

- Hola mi amor!

Vindo da mesma forma natural; e as dúvidas, as perguntas, as filosofias que não faço a ninguém senão a mim mesmo.

TENHO MEDO DAS MINHAS DÚVIDAS!

E a correria de portugueses e italianos que não emigrantes, que não Venezuelanos e apenas portugueses e italianos a viver de saudades daquilo que não querem mais. As panederias e as areperas e as casas de apostas de cavalos de corrida de tais gentes com anos seguidos sem férias e agora ao volante de grandes carros e sonos em grandes mansões de satisfeitos e realizados. E famílias inteiras sem nação quase que este país permite tudo. E as felicidades nada feitas de mentiras mas feitas prisioneiras de tal cidade – As fugas! E a minha admiração por pessoas que não sei se justas, não sei se admiráveis – As dúvidas.

E a cidade de Caracas, finalmente entre montanhas, um vale gigante onde quatro milhões de pessoas vivem sem espaço para viver; o metro entupido, as auto-estradas de estacionamento, os prédios a invadir outros prédios e as montanhas pintadas de vermelho tijolo – REAL! Barracas e barracas e barracas e milhares, milhões de barracas nas encostas do vale dos ricos com muros de tijolo vermelho e pobre.

Lá em cima no Ávila para onde o teleférico nos transporta, um hotel abandonado com um nome de um ex-presidente – abandonado; com um centro comercial amarrotado, uma pista de gelo artificial, cavalos arrendados e turismo tradicional que não vende mais do que uma mostra do ridículo do mundo em geral.

E finalmente a minha vida que nada tem para contar em factos e tudo tem para descrever em visões, audições e tactos. E as minhas palavras que já não são frases, já não são nada tal a impossibilidade de descrições mais reais.

E depois do finalmente e no fim de tudo, o sorriso natural, a dança louca, a piada com mais piada no mundo, o abraço apertado, o beijo carinhoso, o “Hola portugues”, ensinamento de vida, a arepa aberta, a conversa fluida e o mais importante de tudo,

Hola mi amor!”

a ser o que mais me importa aqui e o que mais me alegra aqui. A vida no final de tudo continua a ser simples.

Completamente alterado, acendo um cigarro, abro mais uma cerveja e escrevo um ponto final. Sem parágrafo que a vida aqui não tem continuidade de novidade.

Parênteses para explicação: o “Hola mi amor” não é especial por vir de alguma pessoa mais especial mas sim, é especial por vir de todas as moças que conheço, o trato das mulheres aqui é simplesmente divinal e por isso este meu amor por esta frase e não por alguma pessoa. Existem coisas que por vezes é preciso explicar!

terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Puerto Maya" - Capitulo 1

Cada um de nós sonhou ou sonha com o seu lugar perfeito, o seu paraíso, o lugar onde gostaria de se retirar do mundo para o resto da vida. Muitas das vezes esse lugar é bem no meio do mundo conhecido, na multidão de sociedades ou apenas nas vilas do antigo e normal conhecido. Eu tenho o meu lugar numa dessas vilas – qual perfeição melhor do que aquela perto dos que conhecemos, dos nossos e das nossas origens, sem adornos de palmeiras, montes de aço ou apenas eucaliptos alinhados? Nada melhor do que um telhado de telha, casas caiadas e tascos modernizados. Nada melhor do que o adro da igreja matriz, a escola primária ou o largo da feira, nada melhor do que o monte baixo, a capela rosa ou a ribeira sem água, nada melhor do que a origem.

- Bem, nada melhor até um dia!

Não querendo desfazer o primeiro parágrafo, já que o “até um dia” é o dia feito defunto – digo que eu sem saber que tinha sequer paraíso, encontrei o meu. O nome é Puerto Maya e está aprisionado entre montanhas e mar. Uma pequena aldeia de pescadores perdida de tudo! Os habitantes são pretos, pescadores e animados e a vida é simples. PONTO.

Sobre esta vila fica apenas esta introdução, pois sobre Puerto Maya vou falar em breve quando a Puerto Maya regressar. Descrições aprofundadas de sentimentos em visões, os direi mais tarde. Ficam apenas aqui algumas fotos da minha primeira vez em Puerto Maya, em família e como encerramento da de reunião de primos. Passamos bem aqueles dias por lá. Agora, agora voltarei sozinho para sozinho desfrutar do que Puerto Maya é – o meu pequeno paraíso perdido.

Vila de pescadores


A "Bodega" local...

Prisioneira natural

A familia toda na praia...

Los tambores de Puerto Maya

Festa na Praia

Parabén Gil- o tio...

Qual será o mais bonito?

Tubarão Azul

ATUM!!!!!



"El Chiba" - O maior lá da aldeia!

Eu e a negrinha... Huuum...

Olha pr'ó menino!

"Disco Dance" - Saturday night Club!

Julio, Juan José, Gilinho, Jeferson e Cosita!!!


Eu e os pretos - Boa gente, boa gente!

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

YO ME QUEDO EN VENEZUELA - CARLOS BAUTE

Porque por vezes existem musicas que fazem mesmo sentido!

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A caça

Sou bom ou muito bom em tudo o que faço. PONTO. Os meus senhores pensam que isto é pura arrogância da minha pessoa. Eu sabendo isso vos digo:

- Vocês são uns idiotas!

De uma maneira não mais humilde mas sim menos arrogante vos digo que sou bom ou muito bom em tudo o que faço. Vocês podem facilmente refutar esta afirmação se eu não vos tirasse tal trabalho à partida. O que é bom ou mau? O que é muito bom ou apenas razoavelmente bom? Para mim isso depende apenas do termo de comparação – para com quem ou para algo. Eu tomando isto como pressuposto vos digo que sou bom ou muito bom em tudo o que faço. O único termo de comparação que tomo é apenas o que interessa e pondo em palavras – Eu mesmo (reparem no eu de E maiúsculo).

Tomando estas palavras como inicio vos digo:

- Eu fui à caça e não sou bom ou muito bom naquilo que fiz durante essa caçada. PONTO.

Embora o poder de ter uma arma de fogo na mão e disparar a mesma me eleve ainda mais o meu ego, me faça sentir a força mais poderosa do mundo (qual deus qual o quê), eu via-me desgraçadinho para acertar nos ainda mais desgraçados coelhos. Matei dois e falhei seis, para matar dois precisei de quatro tiros, para falhar seis precisei de doze e mais precisaria se a espingarda não fosse de apenas dois tiros – carrega-la dá tempo aos ditos para se escapulirem.

Chegados da Gran Sabana o meu tio Victor nos disse:

- Vamos à caça!

E nós fomos.

Duas horas e meia de viagem até um lugar qualquer perdido no meio de campos de milho a perder de vista (desta qualquer nome de qualquer sitio não será mencionado pelo simples motivo de não ter prestado qualquer atenção a nomes), chegamos a um lugar a que o meu tio chamou de rancho mas mais não era do que quatro paredes com tecto de chapa. Chapa esse que de contínua formava género de um telheiro onde já estavam penduradas umas quantas redes e onde penduramos as nossas para pernoitar a única noite que iríamos ficar por ali.

Chegamos e fomos recebidos por um banquete! Os meus caros se vissem o banquete decerto pensariam que estou louco tal a duvidosa origem da comida ou o seu estranho aspecto mas, eu de novo vos digo:

- Fomos recebidos por um banquete!

Aquelas HÚMILDES gentes deram-nos a comer o melhor que tinham, um tacho com javali frito, preto de queimado e salgado de sabor, forte como um touro e que a mim me soube como das melhores coisas que o meu paladar já experimentou. Outro tacho de arroz branco – assim só; e outro tacho ainda com javali estufado com ervilhas, cenouras e um molho simplesmente divinal. Enchi o prato, abri uma cerveja, sentei-me na rede e comi deliciado com o sabor daquele momento.

Sentado a comer tinha a visão de, e passo a descrever: Um charco de merda de porco onde os mesmo estavam deitados a tentar o refresco para tanto calor; uma cerca de arame farpado que fazia de fronteira a nada; um bezerro amarrado a uma árvore e a tentar a sombra impossível àquele sol; uma dúzia de cães de caça com o mesmo número de ossos de um qualquer cão mas com a relevância de estes terem apenas pele a cobrir os ditos; pintos e galinhas a cagar tudo – inclusive as minhas botas; tudo aquilo que uma quinta tem mas dividindo pela razão de pobreza de tal lugar. Eu estava nas minhas quintas, os donos (um senhor na sua média idade e uma esposa no seu máximo peso) conversavam e davam estridentes risadas – estão tranquilos.

Almoço regado com cervejinha trazida nas nossas cómodas arcas de topo, descanso a pensar na longa noite e eis que os caçadores vestido a rigor se montam em cima da camioneta para serem uns machos valentes. Ao fim da tarde a caça foi à perdiz que com a vegetação alta e típica da época das chuvas pouco se fizeram mostrar. Deu para dar meia dúzia de tiros e trazer umas cinco como petisco.

Regresso às nossas redes e novo descanso, este mais curto.

Já a noite ia alta, saímos de novo montados em cima da camioneta para em silêncio, a velocidades baixas e com focos de alta potência a iluminar o caminho, percorrermos os longos caminhos em terra daqueles hectares e hectares de milho.

- Olha ali um, olha ali um!

E de pronto o que segurava a espingarda, que rodava depois de uma matança, lá a punha a modos de jeito, cara no cano e PUMBA – MESMO NAS “NALGAS”! Ou na cabeça que era a maneira mais desejada. Lá dava o coelho três saltos no ar, duas voltas na terra e um de nós em salto da camioneta apanhava o troféu da masculinidade.

Foi assim até às quatro da matina, e nós, já satisfeitos dos coelhos, começamos a tomar atenção aos veados que cabrões não se fizeram mostrar nessa noite! Pelo meio ainda caçamos um crocodilo – SIM, um crocodilo, dos pequenos mas que deu para arregalar o olho e levar a excitação a quase orgasmos! Os dois locais que nos acompanhavam com olhos de águia, lá viram no meio de um charco um par de olhos azulados a brilhar à luz do foco. Paramos, mudança de calibre e o Joel com pinta, olho e mira deu-lhe um tiro mesmo na cabeça. Foi ver o gajo a boiar no charco. Com um pau lá puxámos o dito para terra firme e depois as fotos que vêm aqui em baixo.

A conclusão da caçada foi: 5 perdizes, 25 coelhos e 1 crocodilo.

Tiros de sobra e a mim que sempre fui caçador de galinheiro continuo a preferir matar para comer, pegar na faca e matar o meu almoço. Caçar por desporto e portanto em demasia parece-me exagerado e desproporcionado. Quanto aos tiros – bem, esses dão realmente um sentimento que vou desprezar ao máximo por ser demasiado poderoso.

Dormida e no dia seguinte ainda deu tempo para disparar a 9 mm e um chumbo raso na espingarda que dava cá um coice não muito fácil de segurar. Os alvos confirmaram a minha falta de pontaria e a certeza de que a caça não é para mim. Ficaram as memórias para recordar e as fotos para não esquecer.

xixizinho

A foto de praxe

No fim à que esfolar os gajos

O crocodilo e o seu assassino

o meu primeiro coelho




Leo

Cara até tenho. falta o resto

Joel e amigos

Manjar de deuses

Cascavel



terça-feira, 1 de setembro de 2009

La Gran Sabana

Depois de Chichirivichi e de uns dias em Caracas, eis que a família sai em caravana para nove dias na Gran Sabana da Venezuela. Situada no Sul desta e em fronteira com o Brasil Amazónico, a Gran Sabana é tal como o nome indica uma grande savana. Com selva nos pontos baixos e próximos de rios e enormes espaços vazios de tudo por centenas de km. Aqui se situa o Salto Ángel, que é nada mais nada do que a queda de água mas alta do mundo com os seus 979 metros de extensão e 807 metros de queda sem interrupção (Queda esta que não chegamos a visitar visto não estar na rota escolhida). As comunidades indígenas, umas menos civilizadas do que outras espalham-se em largo número por todo o parque natural Canayma e depois de milhares de anos a viverem do que a fauna e flora locais lhes davam, modernizam-se com o tempo e passam a viver com o turismo (que felizmente não é desmesurado) que lhe vai passando pela frente. Desde guias ao artesanato, desde estadias em parques de campismo de estilo indígena aos botequins de comidas, tudo lhes serve para sobreviver aos tempos que por eles não passa. Comunidades pobres e crentes no que lhes interessa, viciadas em águas ardentes e alcoólicos por natureza, comunidades que não percebi nem compreendo mas que se vestem como os da nossa civilização, vão sobrevivendo no meio de Tepuys e planícies sem fim à vista.

O parque natural Canayma trás o nome emprestado ao espírito maléfico com o mesmo nome. Diz a lenda dos índios que Canayma é o nome de um espírito mau que vive no cimo dos tepuys e montanhas altas. Quem lá entrar corre o risco de não sair mais, as crianças são os mais atacados já que o espírito vive das suas almas. Se um guia é pedido para as montanhas, o guia é dado até ao sopé da mesma, os indígenas não sobem crentes que são nos seus espíritos, mais certos não podiam estar – como nós que em tudo e nada acreditamos ao mesmo tempo. Contou-me o Sr. Victor, um dos da nossa caravana, com todo o rigor e promessas de veracidade que à dois anos atrás um seu amigo de universidade e campista profissional decidiu subir um tepuy com uma amiga do Canadá que se fazia acompanhar pelo irmão de 12 anos. Na subida e entre brincadeiras perdeu-se o irmão de 12 anos que o Sr. Victor jurou a pés juntos ter conhecido. Doze dias e doze noites se procurou pela ovelha tresmalhada e doze dias e doze noites se desesperou por a criança nunca ter sido encontrada. Um ano após o acontecimento, um grupo de turistas em conversa com os locais numa noite de fogueiras disse que durante o dia ao filmar um dos tepuys viu um vulto de uma criança ao cimo do mesmo. Com a ajuda de binóculos o vulto foi confirmado, de olhar fixo nos turistas e sem se mover. Este facto contado aos locais, junto com a descrição de tal vulto fez despertar os locais que logo alertaram as autoridades. Durante outros doze dias e doze noites se esperou encontrar a criança e outros tantos doze dias e doze noites se desesperou por a criança não aparecer. O mistério do mundo civilizado continuou enquanto que o mundo indígena o explica com o alimento do Canayma – “para que os rios continuem a ser alimentados com a água das chuvas, para que o mato cresça e floresça como sempre, o Canayma tem que ser ele próprio alimentado pelas almas dos mais inocentes”.

Lendas para uns, histórias para outros e vidas perdidas para os mais desafortunados ou descuidados.

Nós, contados no número 17, distribuídos por quatro grandes veículos 4x4 com o ar condicionado sempre ligado e com todo o equipamento necessário ao máximo conforto em campismo, viajamos por esta terra que não compreendi mas que me encheu a vista. O turista mais verdadeiro que pode haver (não no sentido mais positivo) a tentar transportar sempre o máximo que pode do seu mundo e dizendo-se aventureiro que se aventurou sem qualquer risco pela Gran Sabana.



Dia 1 – O primeiro dia pouco de interesse tem a dizer. Saída de Caracas pelas seis da matina com destino a Puerto Ordaz onde segundo o plano se iria pernoitar. As estradas sempre de alcatrão demasiado esburacado passam por fazendas abandonadas e campos que em tempos tanto deram e agora deixados à liberdade do mato crescer. Os postos de controlo da Guardia Nacional aparecem numa frequência tal que a primeira impressão é de se estar a atravessar um país em guerra. As perguntas são sempre as mesmas – de onde vimos e para onde vamos, Cédula pessoal por favor – estrangeiros? Passaporte por favor.

- São os meus sobrinhos que vêm da Europa para visitar a Gran Sabana. Não, não trazemos gasolina.

Depois de seiscentos e pico km feitos com demasiadas pausas e em demasiadas horas lá chegamos a Puerto Ordaz junto ao Rio Claro. Não sem antes ouvir a descrição da enorme ponte que precede a cidade – Puente Caroni. Em que os “Brasileiros vieram para aqui construir a ponte com o dinheiro Venezuelano e nós com tantos engenheiros a ficar de parte. Politicas à Chavez”

Dormida numa pensão, jantar numa churrasqueira, cerveja na rede do jardim da pensão, cigarro numa qualquer cadeira – igual às outras, conversas descontraídas até horas largas, sono demasiado curto e pelas seis da manhã passamos ao dia dois.




Dia 2 – Com o objectivo de outros tantos seiscentos e pico km para este dia, saímos de Puerto Ordaz rumo a uma qualquer comunidade indígena já no parque Canayma onde pudéssemos pernoitar em estilo de campismo. Paragem em Cura Isquiel Para abastecer de gasolina as nossas “camionetas” e os 5 potes de vinte litros que transportávamos e eis que por causa do tráfico de gasolina (que nesta terra é mais barata do que a água, praticamente dada aos consumidores) enfrentamos as primeiras dificuldades. O depósito não pode ser abastecido ao máximo, os potes não podem ser cheios e o medo de ficar sem a mesma é maior. Nada que um pouco de conversa e uns poucos de Bolívares não resolvam. A cidade última antes de entrar na Gran Sabana parece uma cidade fronteiriça distanciada ainda por uns 500 km da fronteira. A fila para meter gasolina estende-se por dois km mas feita curta para nós visto os turistas terem prioridade (não me perguntem porquê), os botequins de bebida e pequenas lojas de recuerdos estendem-se pelos 2 km da fila da gasolina. Vendedores de rua vendem frutos tropicais e refrescos, nas bermas da rua empilham-se milhares de pequenas latas azuis das cervejas light deixadas tanto por turistas como por locais, a estrada é uma mistura de alcatrão e terra batida e entretanto começa a chover. Chuvada tropical na curta espera para o abastecimento, abrigo num botequim com cerveja e cigarro na mão e depois de uns vinte minutos (que para os locais seriam umas vinte horas) lá arrancamos na subida das montanhas que servem de limite à Gran Sabana.

Montanhas atravessadas e a 1200 metros de altitude o primeiro vislumbre do enorme vazio que é a extensa planície. Meia dúzia de km e abandonamos a única estrada de alcatrão que segue em direcção ao Brasil. Os dias anteriores foram de pouca chuva por isso a estrada de terra está bastante transitável embora de quando em vez travão a fundo para atravessar um rego mais extenso ou um buraco mais profundo, nada que os enormes 4x4 façam em estilo de brincadeira.

A noite não está muito longe e com os diversos atrasos decidimos mudar o sítio para pernoitar para uma comunidade indígena mais próxima da pretendida. Pequeno desvio, areias esburacadas e enormes poças de água e aí está a comunidade indígena do Aponwao, junto ao rio que dá origem à queda do Aponwao. Conversa com o chefe local que fala castelhano (coisa que metade da comunidade não fala) e lá montamos acampamento por debaixo de uma grande choza (aquelas típicas casas dos índios).

A primeira impressão desta comunidade com cerca de duzentas pessoas foi de que era uma comunidade nova. Não se vê gente idosa, e o meu tio tal confirma dizendo que a idade média de vida está nos quarenta anos se tanto. A canalha passa a correr em largos bandos, o que justifica o número de pessoas em tão pequena comunidade. Rapidamente um miúdo aproxima-se a pedir uma pelota de voleibol que ao longe nos viu descarregar. Bola emprestada e foi um tal ajuntamento de miúdos a jogar o voleibol como mandam as regras deste desporto, trazido provavelmente pelos padres espanhóis que têm convento montado em Kavanayen (outra comunidade indígena ali próxima). Pergunto-me que foram para ali os padres fazer. Levar a palavra do senhor com certeza, mas com que direito? Este povo dito de não civilizado viveu séculos sem a palavra do senhor de forma descontraída. Se em pura felicidade não o sei mas também não interessa já que não é a palavra do senhor que lhe vai levar a felicidade em forma de cruz. Salvar este povo da devassidão e do pecado dizem uns, mas com que direito? Talvez o Voleibol seja a melhor coisa que estes padres Jesuítas levaram a estas comunidades – apenas se esqueceram de deixar uma bola.

O jantar foi uma pasta pré aquecida e bem saborosa regada com um bom tinto chileno e depois de uma tentativa frustrada de fogueira à beira rio os mais novos lá acabaram na conversa por debaixo de uma Choza ali perto. Dormi cansado no silêncio dos insectos que me massacravam as poucas partes de corpo a descoberto.






Dia 3 – Acordei com o enorme calor que se fazia sentir dentro da tenda e de um pulo me pus fora da mesma para mergulhar no rio ali ao lado. Entre pequenas discussões tomou-se o pequeno-almoço feito de arepas (pão de milho frito tradicional da Venezuela) e ovos mexidos, vestir roupa de “aventura”, botas de trekking e aluguer de duas canoas para descer o rio em direcção ao salto Aponwao. De cima o barulho é enorme e a queda é impressionante, mas lá em baixo o mundo parece cair-nos em cima na forma de água. Quase não se ouve o falar das pessoas tal o estrondo da água a cair. A queda é de 83 metros e os olhos mal se podem abrir tal a violência do vento provocado pela queda da água. Ao fim de cinco minutos estamos todos encharcados até aos ossos já que o vento traz consigo uma chuva torrencial vinda da queda. O Sol está a queimar e os arco-íris são vistos onde se quiser ver. As ondas da lagoa no fim da queda chegam a atingir um metro e com violência chocam nas rochas de onde tiramos fotos de sonho.

Pelo meio da mata tropical voltamos a subir no meio de demasiados turistas, chegados todos nas canoas dos índios por dois euros a cabeça. Regresso ao acampamento, muda de roupa e toca a montar nos 4x4 para ir num passeio a Kavanayen visitar o mosteiro dos padres salvadores de nações.

À noite, de regresso ao acampamento e depois de um bom jantar onde se cantou os parabéns à prima Michele, foi acesa uma fogueira na praia fluvial ali ao lado onde até largas horas se bebeu Cuba Libre, se fumaram cigarros e se conheceu dois aventureiros montados em bicicleta e que andavam a percorrer a Gran Sabana nas mesmas. Tínhamos passado por eles de tarde mas só já a noite ia bem alto, chegaram eles àquela comunidade onde montaram acampamento para permanecer 4 noites.










Dia 4 - Ao quarto dia o destino foi a cidade de Santa Elena, última cidade antes da fronteira com o Brasil e a uns 500 km aproximadamente. Por isso o dia foi de rodagem pela estrada, primeiro de terra e depois em alcatrão. Desmontou-se todo o acampamento e lá se partiu em direcção a Santa Elena onde chegamos por volta das duas da tarde. O dia ainda ia a meio por isso decidimos dar um salto ao Brasil para comer uma boa picanha bem ao estilo brasileiro. O atravessar de fronteira foi simples e sem demoras e lá estava eu em território brasileiro onde as bandeiras provavam exactamente isso. Almoço bem regado, passeio pelo pequeno mercado de bugigangas que por ali se passava e voltamos a Santa Elena, de novo na Venezuela para procurar uma pensão onde pernoitar. Essa noite foi em conversas com um português erradicado na Venezuela havia uns quase 50 anos e mais erradicado do mundo ainda naquela pequena cidade fronteiriça onde as pessoas apenas passam e não ficam havia uns 25 anos na longa vida do senhor António. Conversas prolongadas com sotaque brasileiro sobre a Venezuela, o Brasil, a Amazónia, os Índios, a Guyana, a Pantera Americana, Caracas, Chavez e por ai adiante.




Dia 5 – O dia amanheceu e pouco depois estávamos nós montados nas camionetas com destino ao Abismo de onde teríamos vista desimpedida para o manto amazónico brasileiro. Começamos a rodar e a estrada que deveríamos tomar não foi tomada. A conclusão foi um rodar de 120 km para dentro da Gran Sabana com que o único abismo a ser alcançado fosse o da nossa paciência. Com a certeza de que nos tínhamos enganado, meia volta e com a frente virada ao mesmo sítio de onde vínhamos lá continuamos a rodar. Deu ainda tempo para a paragem em duas quedas de água. Uma com direito a saltos mais radicais, outra com direito a fotos deslumbrantes sobre a pedra do fogo – encarnada e semipreciosa. A noite fez-se cedo na mesma pensão da noite anterior já que o cansaço transportado dos últimos dias e ainda em demasia não deixou a mais aventuras senão um sono profundo a partir das nove da noite, nem jantar nem coisa alguma.






Dia 6 – Neste dia, a manhã foi guardada para a vista de mais uma das muitas quedas de água e a tarde para montar acampamento acima uns km de Santa Elena e já com o carro virado a Norte. O acampamento, esse à beira de mais um dos milhares de rios de tamanho lugar e a dar origem a outras tantas milhares de quedas de água. Outra choza, foi o abrigo escolhido para montar tenda. O costume – 5 tendas de ponta, duas tendas de mosquiteiro, umas quantas redes, dois bicos a gás para cozinhar, casa de banho (sim, digo casa de banho com direito a retrete e tudo), mesa e respectivos bancos e tudo o mais “indispensável” à sobrevivência no meio do nada que é o campo e o tudo que é a natureza. Outras duas noites ali iríamos ficar a pernoitar. A noite caiu sobre nós com uma chuva de estrelas de dimensões nunca antes por mim vistas. Pareciam que queriam iluminar a nossa noite, pareciam-se a desejar o toque, pareciam cair no dia do juízo final, parecia e era o céu mais estrelado já visto por estes dois olhos que a terra há-de comer. O jantar regado com mais um reserva chileno (e perdoem-me se o nome a memoria não permite dar), terminado com um Vintage Port e continuado com mais uns quantos cigarros que davam o fumo que acompanharam as palavras partilhadas por mim e o outro – Joel de nome. Mais uma larga noite de filosofias nada baratas mas jovens de idade, mais uma noite de deixar lágrima no canto do olho – sou sentimental não dos sentimentos mas sim das palavras e as sinceridades deixam-me assim, os pontos em comum deixam-me ainda pior e o vinho deixa-me no estado de “SUPER GUERREIRO” como diria o tal companheiro Joel. Dormimos depois, não por debaixo da tal tenda mas sim por debaixo do peso de uma consciência que por vezes deixa de existir tal a nossa arrogância de juventude demasiado adulta. E desta não peço desculpa pela minha arrogância mas sim: exijo desculpas pela vossa ignorância.





Dia 7 – Os primos decidiram fazer uma caminhada à descoberta de uma aventura. PONTO. Equipados como mandam as regras dos aventureiros, saíram em busca da Puerta del Cielo. PONTO. Éramos (deixei-me contar pelos dedos) oito os aventureiros: Gil (eu mesmo), Joel (quase irmão), Raul (irmão do quase irmão e por isso quase irmão por afinidade), Filipa (irmã), Titã (irmã), Ritinha (prima surpresa) e Leonardo “Di Caprio” (primo desvairado). Começamos a descer em direcção ao Poço Azul e dai tomamos o sentido descendente do rio. Chegamos ao nosso fim do dito já que uma cascata de umas dezenas de metros não deixou avançar. Com a catana na mão cortamos mato e caminho quase na vertical e no cimo do monte descemos um caminho sinuoso e de inclinações quase proibidas em direcção ao rio que dá origem à tal porta do céu – que excitação a nossa de tentar chegar à “nossa” porta do céu. Chegados lá mesmo abaixo, subimos rio sem antes o cruzar por um tronco de mais uma das muitas árvores caídas por ali. Catarata mais acima, larga e de beleza paradisíaca, deserta que o caminho é longo para o turista do carro de ar condicionado ali chegar e com lagoa a obrigar banhos. Subida ao lado da dita e uns metros valentes acima lá aparecia a cascata que cai da porta do céu. Essa era demasiado alta e sem auxilio de equipamento próprio, impossível de subir. A porta do céu ficou a uma mera centena de metros na vertical, vimo-la por cima e por baixo e ficou no nosso meio. Será assim difícil atingir a porta do céu ou apenas é preciso algum equipamento? Deixará o nosso senhor entrar com tamanha facilidade nessas portas? Ainda pensei chamar o São Pedro mas este pareceu incomodado com tamanha proximidade já que começou a chover torrencialmente. Encharcados até aos ossos, com calores ainda maiores começamos a descida e depois subida em direcção ao acampamento, foram umas meras 3 horas e meia de caminho mas que valerem bem pelo esforço e satisfação.

Adormecemos após jantar e cartada, satisfeitos e realizados como aventureiros que somos de verdade. O São Pedro aceitou a nossa humildade de não entrar na porta do céu e deu-nos outra noite de estrelas divinais, santas!









Dia 8 e 9 – Meto dois dias num só, porque estes dois dias foram apenas de regresso. E, sendo sincero, o regresso pouco me importa na viagem senão a própria chegada. Esta chegada foi mentira porque não foi a chegada à nossa casa. A minha chegada está ainda longe em tempo e espaço e por isso mesmo nem vale a pena comentar. Puerto Ordaz novamente, El tigre de passagem, tempo ainda para um mergulho numa qualquer outra praia paradisíaca (parece que aborrece mas não) e Caracas à vista com muito trânsito uma vez mais e paciência infinita.