quarta-feira, 7 de abril de 2010

Amazónia

Este é o momento literário mais difícil que tive até hoje. Descrever o meu tempo na maior selva do mundo, no pulmão do mundo, no lugar mais bonito, mais romântico, mais filosófico que estive à face da terra. Todas as palavras são demasiado pequenas e nenhum exagero é demasiado grande nas descrições dos sentimentos que tal lugar me proporcionou. A companhia fez jus ao lugar e mostrou-se perfeita. Viajei ao interior da selva e lá quero voltar com a maior brevidade possível.
Tudo começou com o despertar pelas sete e trinta da manhã, com a despedida do responsável por esta aventura. Dan, o tal israelita que tinha conhecido havia feito dois dias e que em dois dias se tornou um companheiro. Existem coisas assim, principalmente nesta vida de mochila às costas. Amizades num curtíssimo espaço de tempo que embora sem promessas de novos encontros se tornam especiais. Tudo é tão intenso nisto das pessoas em poucos dias. Tudo se conta e revela, tudo é honesto, tudo se sente em poucos dias e como tal a despedida apesar de fria e realista é sempre sentida. Um até já sem certeza de até nunca mais toma proporções de quase lágrimas, principalmente num sentimental como eu que se sinto é sempre em exagero que nunca demais.
Chega o carro dos guias que me apanha sobre uma descomunal tempestade tropical. Entre o meter a mochila na mala e entrar no carro consigo ficar completamente encharcado como só possível neste clima. A chuva não é de gotas mas apenas de um lençol de água caído do céu. A próxima paragem é noutro ponto de encontro onde entra a Mariana, uma Gaúcha (do Rio grande do Sul, lá na ponta do Brasil) e que ainda vai merecer muitas palavras neste sítio, na espera. Outro hotel mais à frente e um casal de ingleses, a Charmain, nascida em Inglaterra mas de descendência da Guyanna Inglesa e advogada e o Greg secretário de sua esposa. Ambos nos trinta e pico anos e casados meia dúzia de anos atrás. Ambos trabalham para Organizações Humanitárias pelo mundo fora, desde Timor ao Sri Lanka e com uma história de vida sobre a qual me debruço agora. Ela formou-se em direito em Londres e depois de um ano como voluntária numa organização humanitária em Londres, conseguiu emprego fixo na mesma. Já trabalhou em vários campos de refugiados em recinto de guerra ou de desastre natural pelo mundo fora. Lembro-me da Indonésia, de Timor e do Sri Lanka que tinha sido o seu local de trabalho nos últimos três anos e sobre o qual consegui ouvir algumas histórias inacreditáveis – pela negativa como é claro. Ele, ex-proprietário de uma loja de licores em Londres e agora secretário de sua esposa. Quando lhes pergunto senão entram em depressão, senão ficam completamente passados da cabeça por trabalhar em tais lugares e com a impotência a ser o principal sentido activo, respondem-me que por isso estão a ter umas férias de seis meses como mochileiros pela América Latina. Seguem no verão próximo para a Palestina. Sorte iria desejar se acreditasse nela. Os relatos foram muitos vindos deles mas sempre de conversa curta e directa com a tentativa dos mesmos para que se mudasse de assunto. Não contrariei e assim pouco perguntei. Foram sem dúvida alguma dois excelentes companheiros de viagem.
Com todos no carro e um dos guias ao volante lá seguimos em direcção a um porto mais afastado da cidade. Aí mudamos para um pequeno barco de alumínio a motor, com uma pequena coberta vermelha que nos protegia da ainda constante mas já menos intensa chuva. Tivemos direito a paragem para apreciar o encontro das águas. Uma linha de quinze quilómetros que separa o rio Negro que vem da Colômbia e Venezuela para aqui encontrar o seu fim pois o rio Solimões vindo do Peru e Bolívia o trava. Este fenómeno deve-se à diferença de densidade e temperatura de ambos-os-rios. A junção dos dois forma o maior rio do mundo – o Amazonas. Devido a esta diferença de temperatura e densidade, assim como da cor dos rios, é possível observar uma linha de quinze quilómetros que separa nitidamente os dois. O Solimões vindo da selva e cheio de detritos orgânicos é castanho e o Negro que vem das montanhas e de fontes de grandes minérios é tal como o nome diz, negro. O deslumbramento é inevitável, mesmo com a pouca visibilidade que a chuva nos dava e o pensamento de

- Há coisas do caralho!

a ser inevitável.
Lá chegamos à margem oposta onde encontramos uma pequena vila e a última antes de começar a entrar na selva. Aí, o nosso grupo apanha uma pequena Volkswagen “pão de forma” durante três horas até outro pequeno porto num pequeno rio e um dos milhares de afluentes do rio Solimões. Compasso de espera com direito a cerveja, espera por outro barco de alumínio que só as empresas de turismo possuem com novo toldo a proteger da chuva e eis que quando o dito chega lá seguimos por mais hora e meia em direcção ao sítio onde iríamos ter base assente. Por opção nunca aqui ficamos a dormir.
Chegados ao lugar e somos recebidos por uma dúzia de turistas da selva que ali tinham chegado nos dias anteriores. Entre os quais destaco dois espanhóis de Barcelona, jornalistas de viagem a fazer reportagem sobre tal lugar. O Marco e o Edgar tinham chegado ali no dia anterior e iriam fazer o mesmo programa que nós, recém chegados, nos próximos três dias. Formou-se assim o meu grupo da Amazónia. Uma mochileira brasileira que depois de muita mochila decidiu conhecer o seu próprio país, dois jornalistas espanhóis e um casal de ingleses humanitários de profissão, incluindo o guia e claro, eu mesmo, um português ali perdido em orgasmos de natureza e sem nada de especial senão a capacidade de ouvir, ver e sentir. Parece pouco mas acreditem que me vanglorio nunca em demasia por estas capacidades.

Tudo começou pelo almoço de peixe fresco ali do rio em que flutuávamos, um pouco de vegetais da ilha acompanhados por um simples arroz branco. A comida estava sem dúvida alguma deliciosa e eu já me sentia em filosofias da simplicidade, ainda mais (o que não é nada normal) do que o normal. Findo o almoço e reunião com o guia para a programação dos próximos dias. Ficou decidido que nessa tarde que começava a abrir iríamos começar por uma pesca de piranha ali mesmo, para depois partirmos numa viagem de uma hora de canoa selva acima onde iríamos acampar já perdidos na selva. A noite seria feita de alguma focagem de jacarés, com pouca dormida à mistura. Despertar cedo e canoagem pelos braços dos rios na busca da observação de alguns animais, aves principalmente mas com sorte algum macaco ou pequenos roedores. O almoço de volta ao acampamento base e metade da tarde para canoagem na busca de golfinhos de rio. A outra metade da tarde para visitar uma pequena quinta de nativos no meio da selva e onde iríamos pernoitar na companhia dos nativos (não confundir com índios que esses estão demasiado profundos no meio da selva e a sua visita é quase proibida). O terceiro e último dia seria de uma caminhada de quatro horas pelo interior da selva, com explicações das plantas de tal lugar e mais uma tentativa de ver alguns animais.

O almoço foi divinal, com todos os produtos a serem quase exclusivamente de tal lugar. À minha volta via pessoas de quase todo o mundo, da nossa pequena Europa principalmente mas também da América do norte e do Sul, da Ásia e ainda da Austrália. Todos com aquele ar de felicidade que é o deslumbramento de estar no meio de tal lugar ainda virgem, ou quase na totalidade virgem. Os turistas nesta zona são realmente em pouco número, o que nos dá um sentimento não de turismo (que continua a ser turismo) mas sim de aventureiros, mentirosos, claro que tudo é sempre demasiado seguro.
Após a reunião e planeamento eu e a Mariana pegamos em duas canas de pau, com anzol e isco de frango na ponta para tentarmos a nossa sorte da pesca da Piranha. E a sorte que não importa mas sim a abundância de tal peixe era tanta que de cinco em cinco segundos (sem exagero) sentíamos peixe na ponta. Tirá-lo para fora era outra coisa então a quantidade no final de contas foi de uma dúzia de piranhas e dois peixe-gato. Tudo em poucas dimensões que a proximidade da margem não dava para mais. Entretanto um espectáculo de golfinhos à caça passava-se na nossa frente, com saltos e acrobacias, agitações sempre ouvidas e de fundo o ruído da selva, apenas. Confesso que nunca na vida senti tamanho relaxo em relação a tudo. O mundo deixou de existir apenas, ouvia as conversas tranquilas de três pessoas na casa ali atrás, um ligeiro ressonar dos espanhóis deitados numa rede lá mais em cima, os pássaros lá mais de vez em quando e os pequenos gritos da Mariana seguidos de pequenas gargalhadas quando sentia a piranha a picar os pequenos pedaços de frango. Confesso que me apaixonei pela Mariana nessa tarde, daqueles amores que acontecem durante algumas horas, depois passa, não porque a pessoa muda mas apenas porque nos apaixonamos pelo momento e nos apaixonamos por aqueles que partilham o momento connosco. Amei-a durante aquelas duas horas, com toda a intensidade com que pode uma pessoa amar alguém, como um romance do século XIX iria descrever, mas apenas por duas horas pois na verdade era o momento que amava, tudo aquilo me parecia tão perfeito. A tranquilidade de apenas uma pequeníssima parte da sociedade à minha volta e depois eu a sentir ser engolido pela selva. As calças arregaçadas até meio da canela, com os pés enfiados na água. A cana na mão e sentir a piranha a saltar com a Mariana ali ao lado a rir-se e a sorrir. Aposto que ela partilhou aquelas duas horas comigo com o mesmo sentimento. Sentir o estrado de madeira da casa flutuante sobre o rio, com o leve baloiçar que nos deixa como que drogados, um cigarro na boca porque a minha alma continua poluída, ali naquele sossego do fim do mundo. Que maior felicidade pode pedir o homem senão a do sossego do mundo? De lá para fora viajei uma vez, que foi para pensar nos meus pais que tão longe de mim e do quão gostaria que ali estivessem, não comigo ali mas apenas eles ali sozinhos, a desfrutar daquele momento que eu desfrutei. Que tristeza senti por eles não estarem ali porque afinal de contas, nós desligamos de tudo, com o nosso egoísmo e a nossa arrogância mas no fim de contas, o remorso da nossa felicidade atinge sempre sem qualquer tipo de piedade. O meu azar/sorte, como lhe queiram chamar é ser egoísta e arrogante. Continuei assim feliz que nunca me tinha sentido assim.

Depois da pesca, eis que o grupo (eu, a Mariana, o Marcos, o Edgar, a Charmain, o Greg e o Alan – o nosso guia) se monta numa canoa e segue em alguma direcção (que eu perdido na geografia da selva) ao acampamento onde iríamos pernoitar. A época das chuvas já havia começado algum tempo atrás por isso a imagem da floresta ser engolida pela água era já presente. Uma hora rio acima até chegar a um pequeno ponto no meio de apenas todo o verde daquela imensa floresta onde lá no cimo de um pequeno morro encontramos um telheiro em madeira e folhas de palmeira. Aí montamos as nossas redes, cada uma com o seu respectivo mosquiteiro já que eles mesmo na altura das chuvas não perdoam. Preparam-se as espetadas de frango, acendeu-se o fogo, cortou-se alho e cebola para o arroz e cozinhou-se uma refeição que de quase sem tempero passou por uma das melhores refeições que tive. O grupo, sentado em dois troncos dispostos na perpendicular um do outro ali se sentou e comeu como se a fome fosse insaciável, que era já que o coração precisava de energia, não para velocidades ou nervosismos exagerados mas sim para sentir mais, muito mais daquilo que sentíamos que nada era suficiente. Sentimos como meros insectos e queremos sempre evoluir. Impossível não ser romântico em tal lugar ou sequer se curar de tal lugar. Adoro o romantismo de um lugar, mais do que o de uma pessoa já que o das pessoas passa mas de um lugar não se pode esquecer. Queríamos alimento para o coração que não era com certeza o frango de espeto mas sim apenas um respirar fundo e uma lágrima de alívio de toda a felicidade. Arrisco-me a dizer que nunca fui tão feliz na minha vida senão no meio do puro mato, na companhia de meia dúzia de aventureiros e o ensurdecedor barulho da selva durante a noite. No meio do jantar tivemos tempo ainda para voltar a pensar na sociedade quando os tais jornalistas espanhóis gravaram um pequeno trecho para a reportagem deles e eu ali meio envergonhado de me sentir tão bem mas exibicionista como sempre serei, apesar de tímido.
No fim de jantar a focagem de jacarés. Montamo-nos outra vez na canoa e com duas minúsculas lanternas lá seguimos a percorrer pequenos rios. Ao sinal do guia lá se desligava o motor e se remava na tentativa de um aproximar suficiente de algum pequeno jacaré para que este o pudesse agarrar e dar ao turista. Assim o turista (como eu) poderia tirar a sua foto de herói com o Jacaré na mão. Vimos bastantes olhos brilhantes que sempre desapareciam com o aproximar silencioso da canoa. Nestes momentos lembro-me da excitação de conseguir ver um jacaré, dos sussurros quase em orgasmo de nós ali dentro com tamanha excitação, lembro-me do ruído que faziam os remos na água, quase mais silenciosos do que a minha respiração e depois do movimento rápido do Alan, o nosso guia a tentar agarrar o Jacaré (excepto claro nada sentia senão a vontade de querer desfrutar, sem pensar em nada. Pensar para quê se nada vale a pena senão aquele barulho ensurdecedor que não é mais do que o silêncio cheio de ruído da selva? Deitei-me na rede por baixo do mosquiteiro, adormeci como nunca tinha adormecido. Embalado pelo doce balançar que a leve brisa dava à minha rede. Pelo ruído ensurdecedor dos insectos, os roncos quase de leão dos macacos ou o miar feroz e longínquo da pantera negra. Excepto a coruja com o seu piar, as aves dormiam descansadas que de dia esperavam ser vistas ou ouvidas por nós. Mas mesmo que decidissem falar, a selva tinha apenas misturado o seu som na mais bela música escutada pelos meus ouvidos. Durante a noite levantei-me uma vez da rede para dar uma mija. Caminhei apenas três passos para me distanciar da rede. A escuridão no meio das árvores era tal que não me arriscava a mais. Nem o luar quase sol me dava a confiança de maiores aventuras. O que sentia nesse momento era uma mistura de um medo aterrorizante e a maior tranquilidade possível. A tranquilidade ganhava sem dúvida a qualquer tipo de medo. Era apenas um pequeno bater mais forte do coração mas que penso ser o bombear de mais sangue para tudo poder sentir. A brisa da noite, o barulho ensurdecedor mas claro, embalador da selva, a escuridão do selvagem, a vida com o verdadeiro e único significado de existir sem sociedade. Todos deveríamos compreender a ausência de sociedade para talvez um dia podermos em harmonia existir em sociedade. Sonho meu que consiga pelo menos para mim isso. Do resto da sociedade já desisti, apenas me quero transformar e compreender a sociedade em mim. Digo isto agora mas na altura apenas nada, apenas tudo o que é de bonito naquela solidão que era eu e o escuro de olhos bem abertos. Voltei a dormir que a música de embalar era como o mais forte soporífero.

Acordei com os primeiros raios de sol e apenas com dois pares de horas dormidos. Os olhos viam-se cansados mas a alma estava lavada. Sonos destes são raros mas precisos e nunca indispensáveis já que continuo a pensar que sonos mal dormidos são razões de filosofias em demasias e nada dispensáveis. No entanto lavam-nos de tudo e todos. Acordar e reportagem dos espanhóis. Levantar acampamento para um pouco de canoagem ali pelos rios próximos. A vegetação era alta e pelo meio de verdes e árvores passávamos os remos na tentativa de vislumbrar um pouco de vida selvagem. Conseguimos o inédito de ver um tipo de rato gigante com meio metro de comprimento a atravessar uma lagoa a nado. Conseguimos alguns pássaros de cores quase florescentes lá no alto. Conseguimos alguns mais perto em galhos de árvores já engolidas pelas águas. Não conseguimos tudo mas conseguimos ver algo, ouvir algo do que é a vida na selva às sete e meia da matina num despertar que é mais o adormecer da selva. Conseguimos ouvir o silêncio de andar por canaviais inundados, apenas com a respiração demasiado alta de cada um de nós. Respirar era-nos quase proibido não fossemos quebrar o silêncio da selva a despertar/adormecer. Foi assim passada a manhã, de remo em punho, olhos esbugalhados e ouvidos sempre abertos.
Exaustos de felizes chegamos ao acampamento base para comer umas boas de umas saborosas piranhas acabadas de pescar.

De tarde, mais um pouco de natação ali no mesmo sitio onde no dia tínhamos pescado piranhas, com saltos acrobáticos a exibir descontracções, uma ou outra cerveja para saborear a conversa, alimentar o papagaio que por ali andava e pouco falava e conversas descontraídas sobre o SR CARALHO de bom que era estar ali. Ao fim de almoço eu e a Mariana que já fartos de descansar, pegamos em dois remos e uma canoa que cuidado para não a virar era preciso e muito e lá fomos dar uma volta por uma lagoa ali ao pé. Remamos, paramos para ouvir o silêncio que nunca silencio da selva, remamos novamente com cuidado para que as ondas de um barco maior em tamanho não nos virasse, paramos para novamente sentir a quietude de tamanho lugar, remamos novamente, tranquilos e sem pressa de nada, paramos para mergulhar naquelas águas em que nada se via e tudo assustava, até que remamos novamente para chegar ao acampamento base. Foi só o reunir as mochilas, protege-las que a chuva prometia e seguir novamente em direcção à tal quinta onde iríamos pernoitar.

Chegados e vemos uma pequena casa de telhado de colmo ali no cimo. A época das chuvas ia a meio por isso o rio a ficar ainda cá em baixo. Parece que este ano a época está a ser muito mais pequena, logo o rio a ficar ainda bastante distante da casa. Deixar a canoa bem amarrada na margem e lá subimos nós até à casa. O homem da casa, um tal senhor de nome rude e maneiras gentis, amáveis e nada típico de gente do mato. A mulher magra e seca e quase antipática não fosse o tentar ganhar dinheiro com o artesanato de pulseiras e colares feitas pelas mulheres da família. A casa com a cozinha de mesa alta, bancos altos, fogão a lenha e negro e tão usado. Três compartimentos mais, um com cama para os pais, um com redes para os filhos que eram onze mas cinco apenas ainda ali a viver (três deles em Manaus num apartamento oferecido pelos pais e a estudar ou a trabalhar e outro a morar ainda mais dentro da selva já com família a caminho dos onze filhos) e outro compartimento ainda que era a varanda com vista para o simplesmente fantástico pôr-do-sol para mais redes pendurar e o mesmo onde pernoitamos. Enquanto os espanhóis aproveitavam a luz diária para entrevistar a família, eu a Mariana e o casal de ingleses visitávamos a quinta de bananas, ananases e mandioca principalmente, aprendíamos a maneira artesanal de fazer farinha de mandioca (tapioca), brincávamos com o Loiro, o papagaio de estimação da familia e que não gostava nada de voar. Admirávamos a metade do Tattoo caçado pela família para comer à noite (as famílias que vivem na amazónia são os únicos com autorização para caçar) ou a tartaruga terrestre que ainda viva mas não por muito tempo caminhava no estrado de madeira da cozinha. Na visita da pequena quinta e com a brincadeira com os animais e os miúdos que por ali andavam passamos o resto da tarde até o anoitecer e o acender das velas que por ali andavam. Nós na bagagem levávamos quatro garrafas de cachaça para oferecer aos adolescentes já alcoólicos que por ali viviam. Não que alcoólicos signifique o que significa para qualquer um de nós nesta sociedade que não sabe compreender as gentes de vista diferente, como estas gentes do meio da selva. Alcoólicos porque encontram na cachaça uma fuga a tudo o que a solidão pode trazer, tal e qual aos nossos maiores poetas que no meio da sociedade se encontravam completamente sós. A média de vida de tal gente é sem dúvida menor à da nossa sociedade. O significado desta é maior, menor, pouco importa, é a um ritmo parado, os anos passam e notam-se com mais intensidade, não importa viver mais anos porque aqui vive-se todo o tempo necessário em ritmos diferentes e sem mágoas passadas. A beleza que vejo em tal vida! Começamos a noite com mais uma filmagem dos jornalistas espanhóis para logo esquecer a sociedade tão normal para nós e logo mergulhar naquela pequena sociedade. O pai e não chefe da família que a chefe da família parecia ser a mãe, conservava-se quieto a um canto e observador. A mãe falava pelos cotovelos e tentava conseguir o máximo de dinheiro a nós turistas. Via-se como uma mulher prática que nos via apenas como fonte de rendimento – normal claro que levamos os “dólares” para tal lugar. Um puto da minha idade, tão puto como eu, sai mal o pôr-do-sol se põe para uma festa a trinta minutos de barco a motor dali. Volta passado duas horas dizendo que a festa não estava boa. O mais velho e já com família e casa formada está de passagem por casa dos pais, vai pernoitar ali e foi outra companhia da tardia noite. Dois miúdos roubam as pilhas às nossas lanternas para conseguir pôr a funcionar um rádio quase artesanal mas que com sucesso e pouco volume passa um pouco de forró. Duas bem-feitas miúdas, entre os dezasseis e os vinte anos creio, tentão engatar o Marcos que tanto fala com elas. Eu lá ia de vez em quando, sempre com medo dos pais que ali sempre andavam. Uma até mais tarde se deixa ficar na nossa companhia e conversa. Confesso que me senti completamente atraído por tal mulher que apesar de demasiado jovem ainda, trazia já na cara a dureza dos anos na selva. Elas com certeza sonhavam com um amor “gringo” que lhas tirasse dali e eu claro, na minha completa inocência chego a pensar em tal coisa. Mas sou demasiado covarde para fazer tal coisa, apaixono-me assim, por pequeníssimos períodos. Apesar de toda a timidez lá falam um pouco e eu já embriagado pelas três garrafas de cachaça misturada com o resto de uma lima e duas colheres de açúcar excito-me e penso em aventuras amorosas no meio da selva. A conversa com os irmãos não deixou que se demonstrava demasiado interessante. Como falavam e como sabiam falar aqueles rudes seres. Porque ao contrário do nosso pressuposto, não é preciso ler ou escrever para se saber falar, não é preciso escola para se ensinar e tanto que eu aprendi ali, não o suficiente que a cachaça acabou e a noite era curta. Quanto à cachaça acabar, a dizer que aconteceu mais cedo do que o previsto. O Paulinho e nosso segundo guia lá conseguiu partir uma à chegada de tal lugar. Restavam três que logo meia de uma, o Marcos conseguiu igualmente partir. Entre umas quinze pessoas beberam-se duas e meia. Já com quase toda a gente a dormir, depois de o guia me ameaçar a dizer que tinha de ir dormir que o acordar era as cinco e meia da madrugada (e eu que nunca consigo ir dormir quando a noite me puxa para si, como hoje que quase oito da matina e eu aqui) lá fiquei eu com três dos irmãos e o Marcos na conversa até as outras garrafas se acabarem. Era por volta da uma e meia da manhã quando se acabou a cachaça e nós todos ainda despertos. A solução foi encontrada facilmente pelo mais velho de todos no grupo (vinte e cinco anos e os quarenta na cara como todos aqueles da vida dura e isolada):

- Vamos comprar outra garrafa.
- Mas são quase duas da manhã e estamos no meio do mato!!!! Digo eu
- Não faz problema!

E lá saiu ele e o outro irmão a remar num pequeno barco enquanto eu e o Marcos com outro dos irmãos ficamos por ali, à procura de teias de tarântula e já completamente embriagados. Remaram durante meia hora até que lá longe ouvimos o motor (não queriam acordar os pais), passou assim meia hora entre teias e tarântulas até que ouvíssemos de novo o motor, que logo foi desligado para mais meia hora esperarmos por eles enquanto remavam. Chegaram e não traziam uma mas sim duas garrafas de cachaça e aqui começamos já sem limas a beber cachaça com açúcar, shots doces apenas para que fosse mais fácil o engolir. Assim ficamos até às quatro da manhã em que eu e o Marcos já completamente bêbados e depois de abraços e promessas de regressos (quanto amor não tem um bêbado dentro de si, chego a pensar que a solução do mundo seria uma brilhante bebedeira geral) nos deitamos na rede para dormir uma hora e alguns minutos para logo nos levantarmos debaixo de uma torrencial chuva que tinha surgido não sei bem de onde. Foi uma noite simplesmente única, com gentes que únicas sem duvida. Com conversas que eu sei só algumas pessoas poderem ter (eu sempre tão arrogante), com partilhas demasiado especiais para partilhar e sempre com a música da selva a dar ritmo à conversa.
Chegamos ao acampamento base eram por volta das seis e meia da manhã e mesmo a tempo para o pequeno-almoço que sempre se fazia cedo. Partilhas e risos da noite, lembrar o Paulinho que amante da bebida por natureza e responsável pelos turistas nessa noite não podia beber, se tornou insuportável com a ideia de dormir. Lembrar as conversas embriagadas com tarântulas à mistura da noite anterior e acima de tudo lembrar a selva, o silêncio da música ensurdecedora da noite na selva, lembrar que estávamos no paraíso, novamente.
Pequeno-almoço e partida para uma caminhada na selva. Desta o grupo se fazia bem maior. Éramos umas quinze pessoas com um guia que nos guiava na tentativa da visão de macacos e na explicação de ancestrais plantas medicinais. Entre árvores que de perímetro tinham uns vinte braços de homens, entre pequenas colinas, canaviais, reinos de formigas, tocas de tattoos, ruídos de macacos, verde quase florescente, castanha brasileira, minhocas mastigadas, terra que de tanta folha acumulada se tornava em um verdadeiro colchão, pequenos riachos, árvores caídas, lianas que nos tornavam verdadeiros tarzans, humidades, tocas de cobra, arranha-céus de árvores e com conversas descontraídas de natureza passamos a caminhada de quatro horas pelo meio da selva de uma forma angelical quase e paz absoluta de certo no meio da selva.

Voltar ao acampamento base, almoço e regresso a Manaus sem o casal de ingleses que mais uma noite iria pernoitar por ali mas nós com os espanhóis por companhia. Voltamos ao hostel com uma pacífica excitação de três dias na selva. Voltamos do paraíso natural que é a selva da Amazónia com direito ainda para paragem sobre um sol brilhante no encontro das águas e no mesmo ter um pouco de natação. Voltamos e apenas em três dias frescos do mundo. Eu voltei sem querer voltar, contrariado, a querer lá ficar mais tempo, muito mais tempo, a gozar a selva da maneira que só a selva pode ser gozada. Voltei para lá ficar, voltei com a promessa de lá voltar. Voltei sem querer!




Entrada na Selva




Mariana na pesca













Paulinho o segundo guia

Alan o guia















Jantar no acampamento

Jacaré na mão







Tattoo


Tartaruga Terrestre






Vista da casa



Ananases

Bananeira

Familia da selva e visitas

Na busca de tarantulas encontra-se de tudo



A comer minhocas



Tarzan!!!

Ninho de Formigas



Caminhada pela Selva


Grupo da Selva


Nenufares


Jornalistas em reportagem



Saida da Selva


Encontro das águas

2 comentários:

  1. Giliiiiinhu* já não parava há algum tempo na tua aventura! E que fucker adventure... andas em sítios incriveis mesmo, estás no coração do planeta terra!!! E a brincar a brincar, caminhas para 1 ano de ausência presente... quais são os teus planos?

    Tens feito falta nas borgas, mocas e afins! Mas também estás a mostrar a tua fibra e raça na descoberta deste mundo. Vive a vida e o momento, vou tentando fazer o mesmo nesta selva urbana... ;)

    Abraço do fininho*

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  2. Oh GIL, era só para te dizer que é sem duvida o MAIOR...

    Brutal... o topo sul tem orgulho num gajo assim.

    E eu que apostei em 3 meses para voltares.

    Abraço, Mouro...

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