quarta-feira, 24 de março de 2010

18, Janeiro de 2010

18, Janeiro de 2010

Neste momento parto de Caracas em direcção a Santa Elena do Uairen, a última cidade da Venezuela antes da fronteira com o Brasil. Começa assim a derradeira aventura. Eu só que só me levo a mim e por isso nunca só. Parto de mochila às costas na descoberta do mundo que sou eu em desconhecidos mundos. Confesso que na despedida desta Venezuela já considerada parte de mim tive que puxar dos cordões das lágrimas e retê-las lá dentro, a pessoa de sentimentos que sou é cá e só para mim. Sou assim, um lamechas incurável como me disseram umas vezes. Sou emoções e delas sobrevivo ao tempo e às pessoas que por mim se passam. Meio ano neste caótico país foi o suficiente para me apaixonar, pelas pessoas que eu só amo as pessoas (mentira que tenho (nunca) demasiados vícios). Deixo uma família que mais família se tornou, deixo amigos de incurável amizade (as amizades são assim, incuráveis) que tanto insisto em fazer para depois substituir pela palavra saudade. Sou todo das pessoas e às pessoas me entrego porque sou alma penada a conhecer almas, que me encontro em todas, de uma ou outra forma.

(No momento em que estas palavras são transcritas já me chegou a noticia de que um amigo feito pelas paragens do Caribe deixou a vida numa estrada de Caracas. Este facto e o silêncio de algum comentário é a única forma que encontro de o lembrar)

Venezuela

Não sou jornalista, muito menos imparcial e por isso mesmo não relato o que vejo mas sim o que sinto. Da Venezuela senti um país à procura de uma cura para si. A política sempre desprezada em todo o mundo é a grande causa do estado vergonhoso em que se encontra este paraíso natural de riquezas exageradas. Um dia li: “um homem que aos vinte anos não seja comunista é um homem sem coração e um homem que aos cinquenta anos continue comunista é um homem sem cabeça”. Eu deste ponto de vista (e de muitos outros claro) nunca tive coração que se abomino os sistemas e catálogos, este simplesmente não encontro razão para existir. Não se baseiem nisto para descrever os meus ideais por favor que isto diz apenas uma pequeníssima parte. Continuo com Marx na cabeça mas por favor não o insultem com comunismos ou socialismos idiotas. Convido apenas a viajar no tempo desde Lenine até Chavez, a passar por Estaline ou Fidel e acompanhem o meu raciocínio. E mesmo assim cuidado com as analogias que neste país fala-se muito em contrário do que realmente existe. A revolução que este louco de nome Hugo, desculpem, Comandante, presidente, Chavez, tanto fala é não mais do que um esbanjar de recursos na tentativa falhada à partida para formar a tal aliança Bolivariana e solução da América Latina. Na prática nada ajuda que tudo piora e as pessoas transformadas em fantoches. Ditaduras ou governos totalitários que na prática pouco diferencio, em revoluções imaginárias contra o resto do mundo (ou quase que contra outras ditaduras há que fazer aliados e não inimigos), apenas um aumento de poder que este parece ser insaciável.

Não sou economista, muito menos politólogo mas vi o que dez anos de poder totalitário (ditadura?) fizeram e continua a fazer a esta bonita Venezuela. Milhares de milhões de dólares americanos (o capitalismo só pode ser inimigo em alguns pontos, não neste do dinheiro) servem para manter uma Cuba na miséria que depois do período especial dos anos noventa voltou a encontrar uma brisa de ar, Uma Bolívia ou um Uruguai que podem continuar a manter a sua corrupção, um Irão ou Rússia com a produção de armas a aumentar ou simplesmente uma Argentina mais “socialista” e desigual.

Já na Venezuela, as nacionalizações sempre a aumentar, do turismo ao ramo automóvel, da agricultura aos pequenos negócios. Nacionalizações que transformam indústrias lucráveis em prejuízos governamentais, com gestores generais a criarem fortunas incalculáveis. Dez anos de “socialismo” e o país com racionamento eléctrico diário, racionamento de água semanal já que em termos de desenvolvimento de infra-estruturas nada foi feito. Mas claro, os porões do exército atolados de armas inúteis. Tudo piora e todos os dias aparece aquele palhaço do presidente em rádios e televisões com discursos intermináveis em que nada diz senão mentiras e vazio. Grita ao mundo com o tique do nariz (snif snif – dizem-me que é da cocaína, e eu já me arrisco a acreditar em tudo), fala do El niño e esquece-se da tecnologia actual que permite a produção de energia de tantas e eficazes formas. Já há quem lhe chame o Niño de Mira flores (onde se encontra o palácio presidencial). Ordena os caças de guerra comprados aos russos que bombardeiem as nuvens com promessas de chuvas e eu rio-me do ridículo. E o povo sem electricidade, sem água, sem açúcar, sem café, e a caminho de ficar sem dinheiro e comida. Vejo milhares a perderem empregos devido ao estado em que o país vai ficando, a tentar a sobrevivência como pode e logo a insegurança que já bate recordes a aumentar ainda mais.

Mas chega, não gosto de politicas, o revolucionário que se alguma vez tive em mim está cada vez mais afastado, deixo para outros aquilo que a minha arrogância não permite fazer. E assim vos digo que vejo as pessoas assim, sempre alegres e animadas, os ases em salsa ou merengue e a alegria que sempre trazem apesar do que os rodeia. Vejo um copo de rum na companhia de amigos, vejo uma praia deserta (que felizmente para mim e infelizmente para o país não existe investimento em turismo), vejo a natureza ainda selvagem. Vejo um país que me deixou assim, enamorado. Um amor que já não tem cura (quase todos têm, este felizmente não) e a promessa da volta por um dia destes.

Agora, a fronteira já ali e o Brasil à porta!

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